quarta-feira, 30 de março de 2011

Para nunca completar

À Pilar da minha vida.
Escrever devaneios. Ver notícia boa no jornal. Caminhar na praia. Dirigir na estrada. Sentir o cheiro de mato depois da chuva. Ouvir música bonita no escuro. Chorar no cinema com medo de alguém perceber. Ler um poema maravilhoso pela primeira vez. Lembrar de um sonho bom. Dormir muito cansado. Dormir na beira da praia. Ventinho bem fresco no calor. Mergulhar e boiar nas águas do mar. Ter aquele breve, aquele brevíssimo momento em que se tem a sensação de plenitude. Dar e ganhar presentes. Casa nova. Água e tudo que tem a ver com água (bebê-la, afundar nela). Dançar como se ninguém estivesse assistindo, ou pular enlouquecidamente por não saber dançar. Não levar absolutamente nada (muito menos eu mesmo) a sério. Subir em árvores. Deitar no colo de alguém querido. Receber carinho. Sorrir do nada ao lembrar uma coisa boa que aconteceu em tempos imemorais. Passear e pensar na vida. Jogar sinuca e boliche. Suar muito depois de praticar algum esporte. Correr. Nadar. Andar de bicicleta. Comer com muita fome. Qualquer comida que chegue e deixe com água na boca. Comida caseira (ainda mais a comida da mamãe ou da vovó). Ir a bistrôs e trattorias. Explorar padarias. Bruschettas. Azeite, manteiga, manjericão, pimenta, curry. Tomate cereja. Penne, fetuccine, pizza e lasanha. Filé mignon alto e ao ponto francês (ou argentino). Estrogonofe. Feijoada. Guacamole. Comer frutos do mar na beira da praia. Madeleines e financiers. Torta de chocolate. Sorvetes da Haagen Dazs (especialmente o de cheesecake de morango). Chocolates suíços e belgas. Baklava. Alfajor. Bolo saindo do forno. Frutas como amora, morango, manga, goiaba, siriguela. Salada de frutas. Banana com canela e chocolate, banana frita com açúcar, banana. Limonada suíça, suco de laranja, de acerola e de manga. Vinhos espanhóis, chilenos, australianos, sul-africanos, espanhóis, italianos. Cerveja, principalmente Heineken e Paulaner. Café espresso quentinho (especialmente pela manhã, quando faz um friozinho, e com um cigarro). Pão de queijo quentinho e fresquinho. A mulher, meu deus, a mulher. A mulher e a alma feminina e tudo o que ela mostra e o que ela oculta. E, no capítulo do corpo feminino, os lábios carnudos, os olhos com cílios longos, os seios, as pernas, a barriga, a bunda, os pelos, o nariz, o umbigo, os ossos do quadril proeminentes. Estar apaixonado. Sentir o olor do campo. Aromas cítricos e amadeirados. Chance, da Chanel. Acqua de Giò feminino. 212. Cheiro de solventes e inalantes (já me vi tantas vezes cheirando cola pelas rodoviárias). Cheiro de bebê. Assistir a aulas que dão vontade de sair correndo para começar a ler 50 livros antes da próxima. Matar aulas. Terminar o dia de trabalho com a sensação do dever cumprido. Ter um dia bom no trabalho. Matar um dia de trabalho. Retirar nacos de gelo do congelador de geladeiras antigas daquelas que precisavam ser descongeladas sempre. Cortar um item de uma lista de coisas a fazer. Cortar o cabelo. Andar pelado pela casa. Deparar-me comigo mesmo no espelho e constatar que está tudo muito bem. “Sejam bem vindos ao voo...”. “No fígado está tudo bem”. “É benigno”. “Exatamente o que eu pensei”. “Vou gozar de novo”. “...”. Ler tirinhas do Calvin e Hobbes, da Mafalda, do Laerte, do Angeli. Humor negro. Piadas de português e de advogados. Mapas de cidades. Cortinas de linho cru. Tênis Converse All Star. Capas de livro e livros bonitos. Cartazes antigos. Álbuns de fotografias. Dicionários. A textura do veludo, do algodão, da seda. A sensação de deitar em um colchão macio. A arte e as artes. Tentar tocar violão. Cantar, cantar (e desafinar, claro). Ouvir românticos em música erudita (para horror dos que entendem de música muito mais do que eu). Piano e violino. Carmem, de Bizet. Ir a um show da banda de rock que não canso de ouvir naquele exato momento. Ouvir Beatles. Festas com música boa. Restaurantes com música boa. Músicos de rua. Roda de samba. Bossa nova. Chico Buarque. A geração de 1960 da MPB. Ouvir discos antigos de Noel Rosa, Nelson Cavaquinho, Cartola. Cinema, sempre, quase como a satisfação de uma necessidade física. Filmes em preto e branco. Filmes do Kubrick, do Bergman, do Woody Allen. Jean Seberg, Anouk Aimée, Ingrid Bergman, Brigitte Bardot, Catherine Deneuve, Elizabeth Taylor, Audrey Hepburn, Isabelle Huppert, Meryl Streep, Juliette Binoche, Irène Jacob, Jodie Foster, Julianne Moore, Naomi Watts, Natalie Portman... e esta ciência de que muitas outras virão. Lembrança daqueles dias em que o cinema salva minha vida, como no dia em que entrei triste e sozinho na sessão noturna para assistir “O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain” e saí da sala outra pessoa. MOMA, Guggenheim, Museu d’Orsay, National Portrait Gallery, Prado, Hirshhorn. Pinturas de Picasso, Maggritte, Monet, Van Gogh, Rothko. Todas as pinturas do Chagall, especialmente aquelas com pessoas voando. As fotografias do Cartier-Bresson, os livros de fotografia do Sebastião Salgado. Ler a orelha do livro que vou começar a ler. Terminar o livro que estou lendo (e, então, assinar meu nome, colocar a cidade onde estou, a data e a hora exata). Ler na cama. Ler em cafés. Ler em bibliotecas. Ler, simplesmente. Romances do Dostoiévski, do Guimarães Rosa, do García Marquez, do Proust, Thomas Mann, Kafka, Coetzee, Paul Auster, Clarice Lispector. Contos do Tchekov, do Rubem Braga e do Luis Fernando Veríssimo. Machado de Assis, este monstro que nasceu bem aqui. Romances de formação. Um poema que faz chorar. Ler, ler de novo, reler de novo (infinitamente) poemas do Fernando Pessoa e do Carlos Drummond de Andrade (na cama, em cima do tapete, no sofá, na cozinha, no mato e na praia). T. S. Eliot e Vinicius de Moraes. Tragédias gregas. Cartas a jovens escritores. Os escritores russos do século XIX. Freud, Nietzsche, Sartre. Filosofia e psicanálise e história e política. Tentar decifrar alfabetos desconhecidos. Aprender uma língua nova. Ouvir e falar francês. Palavras e frases intraduzíveis para outra língua. Rir de palavras e frases em espanhol, principalmente quando eu tento falar. Tantas palavras, como inefável, nuvem, invisível, amorosamente. Outras engraçadas, como otorrinolaringologista, tatibitate, tucupi, quiproquó. Viajar com amigos. Viajar com namorada. Viajar sozinho. Viajar. O desconhecido (e o medo do desconhecido). Ipanema. A Lagoa Rodrigo de Freitas. Praias do Nordeste do meu país. Praias especificamente da Bahia (no sul da Bahia, então, nem se fala). Tantas e tantas urbes: Paris, Nova York e Chicago, Barcelona, Amsterdã, Atenas, Buenos Aires, Ouro Preto, Salvador, Rio de Janeiro, Goiânia. O interior da Casa Batlò em Barcelona, e o Parc Guel, e a Sagrada Família com seus guindastes (a distribuição da luz de Gaudí). O Fórum Romano. A Esplanada dos Ministérios em Brasília e o interior da catedral da mesma cidade. O jardim do Palácio de Versalhes. O parque de esculturas Vigeland, em Oslo. O Bairro Alto em Lisboa. A pirâmide do Louvre. Descobrir que, na Grécia, metaphora é como se designa transporte público. Comer na Pont des Arts, em Paris, no verão. Pôr-do-sol em Bali. Paisagens com lagos e montanhas. Piscinas naturais no meio do mar. Orquídeas. Árvores muito, muito altas. Pinheiros e álamos. Ipês em flor no meio do cerrado. Pé de jabuticaba carregado. A linha azul claro-escuro entre o céu e o mar. A aurora boreal. A aurora e o pôr-do-sol. O céu estrelado. Conhecer um novo melhor amigo de infância. Rir junto em mesa de bar. Ir a festas de casamento. Receber ligação que estava esperando. Receber ligação de quem não estava esperando e de quem sentia tantas saudades. Ficar sabendo de algum segredo. Contar um segredo. Conversar com os bons e velhos amigos de sempre e rir das histórias do passado (especialmente lembrar pela milésima vez das histórias contadas e recontadas, principalmente das coisas hilárias e surreais que aconteceram todas em um ano, 1998). Conversar com alguém e ver que compreende essa pessoa e que essa pessoa realmente compreende você. Gostar de alguém do jeito que a pessoa é, e saber que a pessoa gosta de você do jeito que você é. Falar o que pensa de verdade sem preocupar. Mãe. Os causos e memórias dos avós, as confusões e as opiniões do papai, as broncas e os conselhos da Raquel, as enrolações e as demonstrações amorosas da Ana. Reuniões de tios e primos nas cidades pequenas dos meus pais. O leite tirado na hora da vaca na fazenda do meu avô materno na minha infância. Pensar na filhinha que ainda não tenho. Sentir um bebê apertando com a mão o meu dedo. Ver uma garotinha com roupa de bailarina. Gente engraçada. Encontrar subitamente e por acaso um amigo de longa data. Ver um casal de velhinhos (e acreditar mais uma vez no amor). Estar apaixonado e pensar nela.  Assistir filmes no domingo à noite com ela, especialmente quando está frio e ficamos juntos embaixo da mesma coberta. Dormir junto. Mãos dadas. Beijo na boca, de-mo-ra-da-men-te. Sexo. Orgasmos. Ouvir “eu te amo” antes de dormir. Seu cheiro (que está no cabelo, na nuca, nos ombros, na barriga...). Seus furinhos nas costas. Amar. Amar mais e ser amado. Viver. Viver ao máximo. Descobrir que para isso é só querer. Saber que esta lista não tem fim. Continuar a expandi-la.

14 comentários:

Anônimo disse...

Adorei! E adorei me lembrar de que te conheci no ano surreal de 1998! Te amo, meu amigo!
Beijos,
Ina

Unknown disse...

Oi, Matheus!!!
Obrigada pela oportunidade de me emocionar com seu texto. Adorei! Tenho refletido tanto com as "percas de tempo da vida"... Vc é um grande exemplo de quem sabe aproveitar bem esse tempo! Quantas conquistas realizadas!
Beijo.
Adalgisa

Anônimo disse...

Por coincidência e especialmente hoje, andei pensando na mesma coisa que a Adalgisa e devo concordar, você realmente sabe aproveitar e dar valor à vida. Adorei o texto e o blog!
Beijo,
Carla (uma nova leitora de Goiânia \o/)

Anônimo disse...

Você sempre me fazendo reconsiderar e voltar a ter esperanças no SER HUMANO!...
Como é bom te conhecer!
Beijos saudosos
Ju Rasmussen

Unknown disse...

eu acrescentaria estourar jaboticaba na boca, o primeiro gole gelado de cerveja, conversar com o melhor amigo numa tarde de sexta-feira :)
Marina

Unknown disse...

ah! e tomar banho de chuva no carnaval de 96!
Marina

Anônimo disse...

gostei muito! tão bom poder VER tudo isso né? E não passar batido preocupado com não sei o quê!
beijão, tati

Teresa disse...

Texto inspirador. Como me fez pensar na vida... Nas coisas boas, no que realmente vale a pena.
Estou adorando seu blog! Passarei sempre por aqui.
Parabéns!
Beijo
Teresa

Jorge Luiz de Carvalho disse...

Ouvir Tom Jobim, a 2ª dose de uisque, Jose Carlos e Leo, tocar violão na madrugada,minha parceira Teresa, ouvir poesia com Itaney,ouvir Nelio cantando, conversar com Talim, sonhar com Praga....
Parabens Matheus pelo texto maravilhoso,seguindo toda uma linhagem familiar. Um beijão do amigo Jorge Luiz

Eugênio Parente disse...

Matheus, excelente, texto claro que emociona. Aliás, o meu principal critério avaliação é a emoção, e sua crõnica me provocou isto o tempo todo.
Inteligente, ao final, vc meio que passa a bola para o leitor completar a lista das coisas boas. Vai a minha contribuição: cafuné, fotografar, ficar com os filhos...
Abração. Eugenio

visite minha página de fotos:

eugenioparente.podiumfoto.com.br

Eugênio Parente disse...

correção:
eugenioparente.podiumfoto.com
outro abraço

itaney disse...

Me identifiquei muito com essas referências, essas coisas boas da vida, esses artistas, esses momentos de paz, de estar simplemente ouvindo uma bela música ou usufruindo um belo poema...

Gigi disse...

NOTA MENTAL: voltar aqui mais vezes!!!! Uma delícia este texto!!!!
Beijoca!

Wenddie disse...

Ser levada pelas emoções na leitura de fragmentos das emoções do escritor - isso também é muito bom na vida! Descobri seu blog e to adorando! beijos, Wenddie (lembra de mim?)