domingo, 27 de abril de 2008

Filosofia, interrompida

Há mais ou menos treze anos atrás, eu ainda lia pouquíssimo. Eu deveria ter vergonha de dizer isso mas, como tenho considerado a sinceridade virtude muito importante, confesso que comecei a ler bastante quando, fazendo um simulado de inglês e terminando muito rapidamente (pois não me esforçava muito nas provas), um amigo passou-me um livro para ler enquanto esperava. Eu estava em San Diego, pela primeira vez no exterior para estudar outra língua (e até hoje não sei falar nenhuma). O amigo era um suíço que nunca mais vi, mas cujo nome não esqueço porque ainda o prezo muito por isso: Richard Bruder. O livro era “O mundo de Sofia”.
Esse livro do Jostein Gaarder foi best-seller durante muito tempo, tanto no Brasil quanto em vários países do exterior. Acho que esses romances que prometem ensinar tudo o que se deve saber sobre determinado assunto, vez por outra, são muito vendidos. Esse era um dos casos.
Embora eu tivesse gostado muito da história, o que realmente me interessava eram os capítulos em formas de cartas que explicavam resumidamente idéias de filósofos famosos. Desde então, eu nunca mais parei de ler. Logo, eu devo praticamente todo o meu interesse em livros, ao menos inicialmente, à filosofia.
Praticamente todo o tempo restante que tive nos Estados Unidos, passei-o lendo. Lendo o livro, que comprei no mesmo dia por não poder roubar o de meu amigo, lendo a poeta Dorothy Parker e Walt Whitman (do qual nunca tinha ouvido falar), lendo revistas sobre música. Até hoje, minha impressão mais nítida de San Diego é sobre o sofá da sala dos Maine, com livros na mãe. Da cidade, sinceramente, lembro muito pouco, com exceção da escola. Essa estada, de vez em quando, parece só um sonho.
Minha mãe, que não gostava nada desse meu péssimo hábito (ou não-hábito) de não ler, resolveu incentivar-me de diversas maneiras. Uma delas foi quando eu tive interesse na coleção “Os Pensadores”, que já foi lançada diversas vezes em bancas, em diferentes versões. A minha é aquela em capa dura verde. Minha mãe comprou-a toda para mim, cada um dos 30 volumes. E eu passei a ler todos, na ordem, para tentar aprender mais coisas sobre filosofia.
À época, eu cheguei mesmo a prestar o vestibular para filosofia em duas faculdades: Unicamp e UCG. Passei nas duas, matriculei-me na Unicamp, mas a vida acabou levando-me a fazer Direito na UnB. Seja como for, esse amor pela filosofia durou muito tempo. Cheguei a pensar em parar o curso de Direito para fazer Filosofia, tal como tinha planejado alguns anos antes. Acabei considerando que os argumentos de meu pai, de que eu não deveria gastar os anos de Direito que já havia cursado, eram mais ponderados do que meus impulsos de largar tudo e fazer algo do qual realmente gostava. A resposta para esse dilema, se deveria ou não ter-me dedicado a algo de que gostava tanto mas que provavelmente não daria retorno financeiro, até hoje não a tenho.
A paixão pela filosofia, pouco a pouco, foi sumindo. Eu parei de ler a coleção, lá pelo décimo volume, por volta de 1998. Desde então, pensei em fazer história (que cheguei a cursar por um período, após ter conseguido o diploma do primeiro curso), psicologia, sociologia, e por aí vai. A questão da minha indecisão daria milhões de páginas, e perpassa toda a minha vida, mas ficará para outra ocasião.
O fato é que resolvi retomar a leitura daquela velha coleção que minha mãe havia dado, tantos anos e tantas experiências depois. O volume que resolvi ler foi um que tinha deixado pela metade, e que sempre é citado por aí: são os “Ensaios”, de Montaigne.
Eu teria milhões de comentários a fazer sobre o livro e sobre Montaigne, e tenho feito por aí, em conversas esparsas. Mas, por escrito, eu só queria relembrar essa trajetória interrompida e dizer que este livro tem mudado minha vida e que eu não poderia estar mais feliz por tê-lo retomado, depois de mais de dez anos.
Eu voltei a morar na filosofia.

5 comentários:

VBN disse...

Lindo texto, Matheus! Adorei de verdade. Retrata bem uma parte da sua vida.

Estranhamente, é bom ler algo que já ouvi de você.

Continue filosofando...

Anônimo disse...

Descobri seu blog por acaso. De fato, nem sei se deveria estar escrevendo um recado, afinal você nem me conhece. O fato é que me identifiquei com seu texto e nao resisti em deixar um comentário. A leitura é algo que persigo diariamente. Quero desenvolver esse hábito a todo custo. Quero treinar a minha concentracao e buscar nos livros respostas que nao encontro em minha volta. Hoje mesmo sai do trabalho e fui a uma livraria. Minha maior vontade era encontrar um livro para me apaixonar. Uma leitura que me prendesse por alguns dias em casa, que me fizesse chegar atrasado em casa ou desmarcar compromissos. Entre uma prateleira e outra pensei - O que eu estou fazendo? Nao vou comprar mais um livro para ler apenas as 30 primeiras páginas...acabei desistindo de comprar. Pra ser sincero, ainda nao me recuperei do trauma de ter abandonado a leitura de Cem Anos de Solidao na página 250, ficaram faltando 100 páginas. Ao ler seu texto confesso que fiquei muito entusiasmado a ler O Mundo de Sofia. Lembro que quando tinha 16 anos, uma colega de sala me disse que a leitura do dito livro teria mudado a vida dela. Mas nunca me interessei. A verdade é que tenho um certo preconceito contra os best-sellers. Uma bobagem. Bom, escrevi demais. Espero que a leitura de "Sofia" tenha o mesmo efeito que teve sobre você. Nem sei se vai ler esse recado, mas se for o caso, me mande um retorno. Meu nome é Bruno e vivo em Goiânia. Meu e-mail é bclopes@yahoo.com

Unknown disse...

Matheus... é engraçado.. trabalhei com sua irmã Raquel mas nunca o conheci. Ela sempre falava de você e, certo dia, resolvi entrar no seu orkut. Vi o endereço deste blog e desde então leio seus textos encantando-me com cada um deles. Também li o Mundo de Sofia, aliás tenho-o entre minha coleção de livros (ao contrário de você, consegui "roubá-lo" de uma amiga..rss). Gosto mto de ler e já me disseram q deveria tb escrever. Espero q talvez lendo seus textos me entusiasme e faça da escrita uma satisfação em minha vida... Mais uma vez, parabéns pelo texto.

Unknown disse...

Adorei o teu modo de escrever. Isso é bem parecido com a música impressionista. Você está do outro lado do mundo, então? Mande sempre notícias do mundo de lá. Beijocas.

Unknown disse...

Impressionada! Parabéns!!
Daniele Medeiros