quarta-feira, 28 de maio de 2008

29/19

Acho que não vi acontecer. Quando olhava no espelho, não via nada. Nada de diferente, digo. O que particularmente me incomodava eram algumas fotos. Mas, então, eu achava que era a pose, a luz, o ângulo. Enfim, eu achava que não era comigo.

Certa vez, li que uma das dificuldades para uma pessoa emagrecer é que, quando o objetivo é alcançado, ela não consegue reconhecer-se no espelho, não se acostuma à sua nova imagem. Comigo, aconteceu o mesmo, mas de maneira inversa, por assim dizer.

Nos últimos tempos, andei passando por um processo de reconhecimento do meu eu exterior. Descobri que meu aspecto, ao contrário do que eu tinha como certo, mudou muito. Finalmente, descobri que não sou a mesma pessoa de dez anos atrás. Uma bochecha que não havia antes. Rugas de expressão. Até mesmo fios de cabelo branco. Uma barriga saliente. Uma memória que já foi melhor. Menos vontade de falar. Dentes amarelos, sorriso amarelo.

E nem é só isso. Já há festas nostálgicas sobre épocas que eu pensava não terem acabado (o presente está cada vez mais curto). Documentários sobre ídolos meus de pouco tempo atrás. Existem pessoas com quem tenho conversas interessantíssimas e que nasceram bem depois de mim. Certas roupas que vestia voltaram a ser usadas como “vintage”. Há várias gírias de que sequer tomo conhecimento e, quando por acaso tomo, não entendo.

Contudo, sinceramente, sequer tenho mais vontade ou paciência para acompanhar tantas novidades, tendências, novas bandas, novos cortes de cabelo e novas classificações da música pop. Não me apetece mais ser “in” (e como ficou chato ser moderno...).

Eu acompanhava esse ritmo naturalmente. Agora, para mim (eu, que era só mudança), para mim as coisas parecem ter ficado mais fixas, enrijecidas como meus membros. Algumas coisas levadas a sério me parecem hilárias.

Deve ser a idade. Eu tenho 29 anos, falta pouco mais de um mês para os fatídicos 30. Na semana passada, descobri ter 19% de gordura entranhada no corpo, um ponto percentual a menos de ser considerado “acima do recomendável”, bem acima do ideal. Eu não entendo por que atingir um número redondo na vida é sempre doloroso.

Falta pouco para eu não saber mais sobre coisas da moda, novos jogos de videogame e até novos videogames, novas formas de ouvir música, novos acessórios e periféricos, novas conexões, novas maneiras de trocar idéias. Falta pouco para eu sequer ter idéia de como ligar os aparelhos, assim como meus pais e avós, ou, ainda pior, instalá-los.

Devo, então, correr atrás do prejuízo? Devo viver sobre esteiras? Devo ler todas as revistas sobre estilo? Devo cortar o cabelo? Devo imaginar que não serei ridicularizado como aqueles velhos que tentam dar uma de “jovem” (e até a maneira com que se referem aos “jovens” é tão anacrônica e afetada que parece ridículo)? Serei eu um kidult, adultescente, ou qualquer novo nome que inventem para pessoas assim?

Devo mergular na velhice? Reclamar da vida o dia todo e já tomar remédios para prevenir minha futura e inevitável hérnia? Recusar tudo o que é novo e falar sempre do passado como se fosse melhor do que os tempos atuais?

Recuso-me a tomar qualquer um desses rumos. Vou deixar-me viver, como tenho vivido, em eterna mudança e com a memória do que já foi. O tempo, seja como for, sempre é presente, passado e futuro concentrados em nosso interior. Não vou negar nada. Continuo com os risos de criança e o mal humor de velho rabugento: ambos estão em mim.

Aqui estou, num café em Lisboa, lendo Montaigne e ouvindo Radiohead com meu novo iPod. Logo depois, leio Coetzee ouvindo Schubert. Depois, corro um pouco ao redor do Lago Léman, em Genebra. Tento trabalhar muito e melhorar no que faço. Depois, danço Smiths, Björk e outras velharias de meus tempos. Vou ao cinema ver Bergman e François Ozon. Tudo isso é muito bom e tudo isso, antigo ou novo, pode ser aproveitado agora. Nos intervalos, escrevo besteiras e penso sobre a vida.

Envelheço, sim. Como é bom a vida seguir e vê-la seguir. Como são belas as coisas que passam e vejo passar. Eu passo, também, e nada poderia ser mais interessante e natural.

sábado, 3 de maio de 2008

Farol

Estando em meio ao mar deserto
E ondulante, o incerto náufrago,
Ofegante, do inferno azul avista
Um farol, que dista dele
Muito pouco.

Com farol em proa,
Remos cansados
No remanso consolam-se
Em antever,
Em vez de temer,
Um fim.

Escalando o insulado edifício,
Construção mágica, paredes
Flácidas formam ecos
Trágicos a ouvidos
Antes moucos.

O farol, agora via-se,
Iluminava toda direção e
havia uma voz a dizer:
"Do caminho importa o que
Dele se fez". Dúbia
Reverberação.

Em sua embarcação de volta,
O olhar enevoado duvida do outrora
Límpido farol, e o determinado
Náufrago some na imensidão
Sem fim.