quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Súbito

É um dia.
Melhor: é um momento.
A fantasia
(num momento!)
expira.

Você, aí,
(nesse exato momento)
é livre.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Preconceito de classe média

Este texto foi escrito em maio de 2006. Após receber um e-mail absurdo, com todos estes preconceitos típicos da classe média contra os pobres, me explodi nessas palavras. Mas nada disso mudou. Aliás, parece que piora. Aparentemente, a classe média simplesmente nem quer mais ver os pobres. Ao vê-los pedindo dinheiro no trânsito, ou em seus carros velhos, ou em lugares públicos que inevitavelmente vão, o brasileiro mais abastado pensa: "que chato". Por isso, vai aqui um outro texto chato:

Suponhamos que você nasça num barraco, com pai desconhecido e mãe adolescente, na periferia de uma grande cidade. Suponhamos que você consiga sobreviver, de alguma maneira, apesar das milhões de doenças que causam o ainda alto índice de mortalidade infantil do Brasil. Suponhamos, então, que você não possa estudar, porque tem de ajudar a família a catar lixo para vender para reciclagem. Suponhamos que, milagrosamente, você não seja cooptado pelo tráfico nem consuma drogas. Suponhamos que sua família perca o barraco numa ação judicial a favor dos verdadeiros proprietários da terra, que a compraram anos antes. Suponhamos que façam uma fábrica lá. Você não consegue trabalhar na fábrica, porque não tem educação formal. Suponhamos que sua mãe morra cedo. Suponhamos que você vá pra debaixo da ponte e morra assassinado. Suponhamos que ninguém note, não saia nos jornais, porque ninguém liga para morte de pobre.

Suponhamos, agora, que você nasça num bairro de classe média. Que seus pais tenham condições de te sustentar para você não precisar trabalhar. Suponhamos que, então, você passe numa universidade pública gratuita, paga por impostos de todos. Ou não passe e pague caro por uma particular. Suponhamos que continue sem trabalhar, porque não precisa, e continue estudando. Depois de anos, suponhamos que consiga um emprego bom e forneça o mesmo padrão de vida a seus filhos.

Agora, suponhamos que as pessoas da situação 2 culpem as pessoas da situação 1, a grande maioria da população, por sua miséria. E que digam, inclusive, que eles não têm nada porque não trabalham. Suponhamos que as pessoas da situação 2 achem que as pessoas da situação 1 sejam aproveitadores que pretendem roubar o fruto de seu suado trabalho. Imagine que porcaria de país seria esse.

Bem-vindo ao Brasil.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Eu é você

Não vou negar o amor que tenho (tive). Pois negar o amor que tenho (tive) seria negar a própria vida. Eu nunca iria negar a mim mesmo, mas numa tristeza profunda em que mergulhei, perdi os sentidos, a respiração tornou-se difícil, a visão nas águas turvas, limitada, e meus demais sentidos ficaram embotados. No jazigo (cama) em que estava, havia só escuridão, e as lágrimas dificultavam mesmo a visão do breu em que eu nunca soube estar.

Numa idealização profunda da outra, que ainda mantenho (sumiu), foi difícil entrever o que havia (há) de humano em nós. Mas o amor, ele nos mudou, e nos abraçou, a nós, que pensávamos abraçar somente um ao outro. E era esse nosso amor ao nosso amor que nos fez ver uma vida diversa, que imaginávamos jamais possível. E foi nessa aventura que eu, afinal, me tornei algo que jamais pensara ser. Por causa de você, das fantasias que você me vestiu, e que eu tanto procurei merecê-las. Algumas daquelas fantasias ficaram. Outras, muitas outras, não couberam no limitado demasiado humano que eu era (sou).

No momento em que nos descobrimos nus, nus para além do momento do êxtase e dos nossos corpos mesclados e cansados, era como se o mundo inteiro estivesse apontando aquela frágil exposta nudez. Nossas fantasias foram sub-repticiamente retiradas num momento em que eu não esperava. E foi então que as lágrimas dificultaram mesmo a visão do breu em que eu nunca soubera estar.

Mas a você agradeço, por ter recebido e me dado tanto amor. Um amor que moveu mais a vida do que quaisquer outros sentimentos que passaram por mim nesses tantos anos. Eu agradeço a você por me dar o que eu sou e o mundo que tenho. E agradeço a você, também, porque, ainda (não mais) te amando, quero ainda vestir as mais inefáveis fantasias que experimentei até pouco antes de você ir-se para sempre.

Não vou negar o amor que tenho (tive). Pois negar o amor que tenho (tive) por você, seria negar que eu sou eu. Eu é você. E o que há de mudança em mim, inclusive nos meus tantos esforços para mudar o meu jeito de amar de ver de sentir, é ainda vestígio do amor que permaneceu (acabou) e que lhe busca nos mais longínquos espaços, longe dos meus olhos e da minha idéia, mas jamais longe do coração. E é isso que me resta (restou).

Mont Sion

Estava num bar, ouvindo a Karen, e súbito tive uma revelação. É preciso ouvir a Karen com atenção, pois a fala kareniana é complexa. Ela diz que não acredita numa história de um pescador, e defende-a contra todos os ataques boêmios que contra ela se levantam. Ela diz sempre que não é ongueira, e fala a favor das ONGs que menciona, e outras que não conhece. É preciso compreender a Karen, e eu sou lento para entender as pessoas, ainda mais a Karen.

Pois bem, a Karen estava falando de um tempo em que estava abalada. E como ando ouvindo tanto falar de etimologia como verdade, comecei a pensar na origem da palavra, e foi quando surgiu a revelação: a, do grego, significa negação, ausência; balada, do francês ballade, deu origem ao termo que designa os seres humanos se jogando incessantemente em festas, orgias, esbórnias, sempre com muita música dançante. Abalada é pessoa sem balada. E não há como não pensar assim. Viu que é preciso muita perspicácia com a Karen.

A Karen, tadinha, ficou um tempo sem balada. Mas esse tempo já passou. Eu estava num bar, ouvindo a Karen. A Karen anda numa balada sem fim. A Karen, para falar bem a verdade, está hiper-badalada.