sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Coesão 2


Antes, lamentava por não ter dinheiro para comprar todos os livros que lia. Hoje, lamento por saber que compro mais livros do que tenho tempo para ler.

Antes, achava que a arte viria com a maturidade. Hoje, acho que o ímpeto se perdeu em algum momento de minha juventude.

No mundo das redes sociais, todos os homens exibem a felicidade, a força, a sabedoria, a beleza, a coragem, a atitude “cool” que têm diante do mundo. Até mesmo a intolerância é controlada, pois é preciso que o ódio seja ainda capaz de receber alguns apoios. A tristeza, a fragilidade, a ignorância, a feiúra, a hesitação, a vergonha, a caretice quase não existem lá. Quem dera as pessoas fossem de verdade como são no facebook!

Os parques das cidades estão abarrotados de pessoas pregadas em celulares e tabletes eletrônicos. Muitas tiram fotos e enviam notícias de sua diversão em tempo real. É preciso urgentemente levar essas pessoas para passear.

Vive-se uma ditadura da juventude. Nunca foi tão reiterada a afirmação sobre as vantagens de ser “jovem”. Nunca se falou tanto da necessidade de sempre estar em atividade, de “nunca parar”, “nunca desistir”. Nunca as indústrias de dieta, moda e cosméticos faturaram tanto. Nunca se ignorou tanto os mais velhos. Nunca a história foi tão ignorada e o presente, tão eterno. Nunca se meditou tão pouco sobre as fases da vida. Nunca se utilizaram tanto as palavras “frescor” e “novidade”, e suas contrapartes “ultrapassado” e “obsoleto”. Nunca se falou ou se refletiu tão pouco sobre a morte, não a morte dos outros (sempre tão comentada), mas a morte em si. 

Acordei de mal de mim. De novo.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

O homem da calçada

Um homem está parado na calçada, em pé, contemplando o vazio com uma expressão de desespero. Taciturno, tem o olhar perdido em direção a um ponto muito distante e inexistente.

Ao seu redor, inúmeras pessoas andam apressadamente em múltiplas direções. Alguns trombam com ele, que parece não ver e não sentir absolutamente nada.

Ele espera.

No meio do turbilhão, subitamente surge uma mulher que o fita demoradamente... e para. Para a quatro passos de distância dele.

Ele a vê.

Os dois permanecem assim, encarando-se por alguns minutos, que mais parecem horas, em meio à multidão e seu movimento incessante: entre gravatas, tailleurs, cachorros, jóias, carrinhos de bebê, bicicletas, pombos, luvas, maquiagens, sorvetes, jornais.

Ele se volta para ela.

Ela dá um passo à frente.

Ele dá um passo à frente.

Ela dá outro passo.

Ele, um mais.

Os dois agora estão com os narizes quase encostados, sondando-se fixamente.

Ambos encostam a fronte no ombro um do outro, fecham os olhos e se abraçam. Forte. Cada vez mais forte.

À medida que o abraço torna-se mais apertado e mais cúmplice, o som dos veículos, dos passos rápidos dos pedestres, do ritmo alucinante dos anúncios, das conversas, do vento, de tudo o que desnorteia na rua, enfim, vai diminuindo lentamente, cessando, até transformar-se em silêncio absoluto.

O movimento, em contraste, acelera-se. Os corpos dos dois são empurrados inadvertidamente pela multidão interminável da rua, que finalmente os faz espatifar no cimento da calçada.

Caídos no chão, ainda abraçados, protegem um ao outro. Os transeuntes pisam em seus pés, pernas, costelas, braços, cabelos, tropeçam em suas costas, em suas cabeças. Passam por cima da água entre os espaços dos ladrilhos.

Os dois conseguem, por fim, levantar-se.

Entreolham-se novamente, um frente ao outro, com ambas as mãos dadas.

Sorriem-se.

Um sujeito passa entre os dois e os obriga a soltar-se as mãos.

Ambos contemplam-se novamente, observam suas roupas sujas e amarrotadas, depois verificam a calçada onde estavam há pouco estirados.

O barulho da cidade, agora, é ensurdecedor.

Ela, então, deixa de sorrir, começa a ponderar algo e adquire uma feição séria. Ajeita o vestido e limpa a maquiagem borrada.

Ele a mira com olhar mendigo.

Ela responde: “eu não posso”.

Ele tenta encostar novamente sua mão na dela.

Ela repete: “eu não posso”.

Ele tenta abraçá-la.

Ela repele: “eu não posso”.

Ele volta os olhos à calçada.

Ela mira-o por um tempo, dá-lhe um beijo apressado na fronte e... some na multidão.

O homem fica parado na calçada, em pé, contemplando o vazio com uma expressão de desespero.