terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Em si

Nem todos os pensamentos correspondem àquela repetida imagem do vento que revira a poeira de uma sala imensa e abandonada. Alguns pensamentos pesam, estão mais para a água (não têm nada de ar) que faz a poeira virar lama e grudar pelo assoalho, passando pelos corredores e pelas escadarias até o limiar da entrada. E quando passa de lá, sai fora do corpo aquela água salgada que cai no assoalho de fora do corpo. Alguns pensamentos pesam. Há momentos, inclusive, em que o peso deles (em que eles pesam tanto) faz ter vontade de existir como mera coisa, como algo que exista somente, sem saber disso, sem qualquer forma de interioridade. Momentos em se quer existir, não se sabe bem como, como uma canção. Uma melodia que se ouvisse por acaso nos momentos em que outras pessoas sentissem este mesmo peso e as fizesse sentir-se (que seja por um momento breve como o de uma canção) mais leves. Ou que as fizesse esquecer. Nessa hora, o medo incessante de não mais existir, de acabar de vez e para sempre, essa vaidade inútil de permanecer, cessa. Fica essa vontade, insisto, de existir somente como invocação para os outros que se sentem como se sente agora a pessoa cujos pensamentos pesam. É preciso ser possível tornar-se vez por outra uma invocação na forma do gosto de manga, do perfume de um chá exótico do oriente antigo, da textura de uma blusa de veludo, de um assobio, de uma fotografia de uma paisagem distante. Ser aquela lembrança inesquecível que você esqueceu e que, no esforço imenso de lembrar, você gargalha por não conseguir.