Um dia eu acordei e estava cansado da vida e achava que a tinha desperdiçado com coisas que não tinham nada a ver comigo e que eu devia ter sido mais autêntico e menos preocupado com o que os outros pensavam de mim e deixar meus desejos aflorarem e dar mais de mim para os outros seja bom ou ruim e que agora era tarde demais e que eu havia me perdido e agora não conseguia mais saber quem eu era nem o que queria e que era duro não saber quem se é e por isso eu devia ter feito ioga análise e devia ter sido mais saudável e parar de ouvir as pessoas que têm mais traumas e estão mais perdidas do que eu e diziam ser meus amigos e eu pensei que também estava me sentindo na verdade muito sozinho porque eu nunca conseguia ficar à vontade mesmo entre pessoas conhecidas e que no fundo ninguém nunca tinha me conhecido de verdade e que a culpa era minha já que nem mesmo eu sabia quem eu era e que isso era uma forma de egoísmo e sim era egoísmo e eu era egoísta e por isso me sentia sozinho mas que agora ia ser tudo diferente e eu ia parar de me sentir assim e ia me dar mais para as pessoas e ia parar de me preocupar com o que as outras pessoas pensavam de mim e que eu ainda tinha muito da vida para aproveitar e que só tinha desperdiçado uma pequena parte porque eu era jovem eu era jovem e ainda podia fazer muita coisa e tudo estava bem e eu tinha uma vida tranqüila com emprego casa roupa lavada filmes livros e muita música e amigos de verdade e podia pagar análise ioga academia e que eu ia ser uma pessoa diferente já que eu tinha tomado consciência eu podia ser uma pessoa diferente e todas as coisas do meu apartamento começaram a dançar e a escova de dente cantava músicas felizes com o acompanhamento das latas de lixo das xícaras e copos do lustre do móbile e o vento começou a soprar mais forte tudo dentro do meu apartamento mas aí comecei a pensar que as pessoas não mudam assim tão facilmente só acordando um dia deprimidas e depois ficando felizes em uma hora e que na verdade eu podia acabar repetindo tudo de novo do mesmo jeito que eu tinha feito até então e que eu ia acabar sendo sempre isso sempre isso sempre isso mas aí pensei de novo e lembrei-me que a consciência era o começo da mudança de tudo e que agora eu podia sim sair pra rua e dançar e que os dias ensolarados iriam finalmente acontecer e logo eu abri a porta do meu apartamento e saí todo ensolarado e sorridente para a rua e vi as crianças brincando e os pais felizes nos parques das pessoas saudáveis e aquilo tudo me contagiou de uma forma tão completa que eu pensava que sim que eu iria mudar e que a felicidade estava na esquina e que agora eu só precisava de um cigarro para aproveitar o momento e de preferência uma cervejinha só para conversar com meus amigos de verdade e peguei o rumo do bar mas aí pensei que não era bem assim que eu estava me perdendo de novo e que eu era uma nova pessoa e voltei e quando eu estava chegando ao parque das pessoas felizes começou a chover e eu voltei para o meu apartamento silencioso e ao som da água caindo lá fora resolvi dormir de novo.
5 comentários:
Lindo. Ode aos dias de domingo.
Agridoce. Adoro esse sabor.
estranho é que ficou ótimo como alguém falando sozinho mesmo. eu adoro esse texto, nem sei porque não postei nenhum comentário antes.
Esse monólogo sem pontuação é bem interessante. Quando se lê, faz-se a pontuação à medida do entendimento. Acho que já havia comentado a respeito no e.mail.Tia selma
O texto sem pontuação, quando bem conduzido, nos leva a uma leitura fácil, dentro do nosso próprio ritmo, embora no início pareça estranho...
Aos poucos, vamos fluindo junto com as ideias, vamos deslizando texto afora... Bem legal, parabéns!
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